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Olhares Que Se Despem

·1279 palavras·7 minutos·
Olhares Que Se Despem - Este artigo faz parte de uma série de artigos.
Parte 1: Esse Artigo

Capítulo 1: O Sol da Periferia e a Sombra do Desejo
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O sol da manhã mal tinha rompido a barreira de prédios inacabados e telhados de zinco, mas Maurício já estava de pé. O cheiro de café fraco, coado pela sua mãe, Dona Elza, misturava-se ao odor de graxa da bicicleta encostada no canto da sala minúscula. Ele se espreguiçou, sentindo os músculos magros e definidos do corpo, resultado de incontáveis horas pedalando pelas ladeiras da periferia, responderem com uma rigidez familiar. Aos dezoito anos, carregava o peso do mundo nos ombros largos e a responsabilidade de ser o “homem da casa” desde que se entendia por gente.

Enquanto vestia uma camiseta lisa, que já vira dias melhores, e uma bermuda larga, seus olhos, de um castanho escuro quase preto, encontraram seu reflexo no pedaço de espelho trincado pregado na parede. A pele negra profunda tinha um brilho dourado sob a luz fraca que entrava pela janela, destacando o maxilar marcado e o nariz largo e bonito. Uma pinta charmosa repousava logo acima do lábio direito. O cabelo crespo, um black power médio e orgulhoso, com as laterais levemente raspadas, era sua coroa. Ele ajeitou a correntinha fina de prata no pescoço, a única lembrança palpável do pai que mal conhecera.

“Bença, mãe.” A voz saiu rouca, mais grave do que ele esperava.

Dona Elza, já de avental, virou-se com um sorriso cansado. “Deus te abençoe, meu filho. O pão tá na mesa.” As duas irmãs mais novas ainda dormiam, amontoadas na única cama do quarto ao lado. Por elas, Maurício pedalaria até o fim do mundo. Engoliu o café e um pedaço de pão rapidamente. Precisava sair para as entregas. O sonho de ser fotógrafo, de capturar com uma lente a beleza escondida nos becos e vielas que tão bem conhecia, parecia cada vez mais distante, soterrado pelas urgências do dia a dia.

Mas havia outra urgência que pulsava dentro dele, uma “fome de prazer” que o acompanhava como uma sombra. Um calor constante, uma excitação silenciosa que o fazia observar os homens na rua com um interesse que ele tentava disfarçar. Fantasiava com toques firmes, com a sensação de ser conduzido, explorado. Imaginava corpos masculinos, o cheiro da pele, a força dos braços. Eram pensamentos que vinham sem aviso, especialmente quando via alguém que emanava poder, ou, paradoxalmente, um tipo de cuidado que ele nunca recebia. Balançou a cabeça, tentando afastar as imagens. Culpa e desejo travavam uma batalha silenciosa dentro de si.

Do outro lado da rua, em uma casa igualmente modesta, Vitor despertava com o coração já apertado. Aos dezenove anos, ele era a antítese de Maurício em quase tudo. Enquanto Maurício era sol, Vitor era a lua, com seus mistérios e sua melancolia. Levantou-se da cama, o corpo extremamente magro e esguio, quase frágil, com ombros estreitos e braços longos. A pele branca ganhava um tom levemente rosado nas bochechas, denunciando o nervosismo que já se instalava só de pensar em encontrar Maurício. As tatuagens que cobriam sua barriga e peitoral eram uma armadura colorida sobre uma vulnerabilidade palpável. Com 1,78m, era um pouco mais alto que o amigo, mas sua postura era invariavelmente curvada, como se quisesse se encolher do mundo.

No espelho do banheiro, encarou o rosto alongado de traços suaves. Lábios finos e rosados, nariz fino e pontudo. Seus olhos, de um azul acinzentado, carregavam uma tristeza quase perene, exceto quando pousavam em Maurício – aí, um brilho diferente, que ninguém mais conseguia arrancar, surgia. O cabelo castanho-claro, liso e fino, caía na altura das orelhas, naturalmente bagunçado. Ele passou a mão pelos fios, um tique nervoso. Duas pintinhas discretas no pescoço e uma fina cicatriz na palma da mão direita, lembrança de uma queda de bicicleta com Maurício na infância, eram suas marcas secretas.

O cheiro de sabonete de erva-doce misturava-se ao seu próprio suor adolescente, uma combinação de pureza e pulsação contida. Vestiu uma calça justa e uma camiseta larga, pegou a mochila onde guardava seu caderno de desenhos – seu refúgio e seu maior segredo. Ali, Maurício ganhava vida em traços apaixonados: dormindo, sorrindo, e, em suas fantasias mais ousadas, nu, com o corpo forte sendo explorado por suas mãos trêmulas. Cada abraço “acidental” de Maurício, cada toque casual, era suficiente para provocar ereções involuntárias que ele lutava para disfarçar, mordendo o lábio, encolhendo-se, o desejo por Maurício devorando-o por dentro. Não era só tesão; era amor, uma paixão desesperada e silenciosa.

Na esquina, onde o cheiro de pão quente da padaria se misturava ao barulho dos primeiros ônibus, Antônio já fazia sua mágica. Aos dezoito anos, ele era o amigo que todo mundo queria ter, o epicentro do carisma. Sua pele morena média, com um fundo dourado, brilhava. O corpo, magro com um toque atlético moldado pelo skate e pelos bicos que fazia no mercado do bairro, era pura energia. A barriga levemente marcada, os braços firmes e as pernas fortes sustentavam um bumbum redondo e empinado que não passava despercebido. Com 1,73m, tinha a estatura perfeita para um abraço envolvente.

Seu rosto jovial e expressivo era um convite à conversa. Maçãs do rosto altas, um nariz levemente curvado e lábios médios que pareciam sempre prestes a sorrir ou soltar uma piada. E o sorriso, ah, o sorriso! Cheio de um charme que desarmava qualquer um, especialmente quando seus olhos castanho-claros, de cílios longos e brilho travesso, acompanhavam o gesto. O cabelo castanho escuro, levemente ondulado, caía despojado sobre a testa. Hoje, usava uma regata com uma cava generosa, deixando à mostra um pedaço do peitoral liso e o contorno do mamilo, um detalhe que ele sabia que provocava. Jeans rasgados e tênis gastos completavam o visual. O cheiro que emanava dele era uma mistura inebriante de shampoo barato de frutas, suor limpo e um toque de colônia infantil – inocência e corpo de homem em uma combinação perigosamente sedutora.

“E aí, minhas vidas?” A voz de Antônio era música, cheia de gírias e uma risada fácil que fez Maurício sorrir minimamente e Vitor corar.

Antônio abraçou os dois com sua efusividade característica, um abraço apertado que para Vitor era sempre um misto de conforto e tortura, especialmente quando sentia o corpo de Maurício tão perto, prensado entre ele e Antônio.

“Pronto pra mais um dia de ralação, negão?” Antônio deu um tapa amigável no ombro de Maurício. Seu olhar, porém, era mais profundo, captando a tensão mal disfarçada no amigo, a mesma fome que ele, Antônio, conhecia tão bem, embora a expressasse de formas diferentes.

Antônio era bissexual assumido entre os mais próximos, e seu “tesão pelo risco” era uma constante. Fantasiava com o perigo, com ser pego, com o toque proibido. Já havia se masturbado no vestiário da escola pensando em professores mais velhos, e sim, em Maurício também. Havia uma curiosidade latente em ser dominado, e um prazer quase sádico em seduzir os mais tímidos, como Vitor, cujos olhares furtivos e suspiros contidos não lhe passavam despercebidos. Seus sonhos eróticos mais recorrentes envolviam os dois amigos juntos: Vitor beijando com delicadeza, Maurício segurando com força. Acordava duro, desejando que a realidade pudesse ser tão desinibida quanto sua imaginação.

Enquanto caminhavam em direção aos seus respectivos destinos – Maurício para suas entregas, Vitor para a farmácia, e Antônio para o mercado, mas não sem antes tentar vender alguns doces que carregava na mochila –, o sol da periferia começava a esquentar, revelando as cores e as sombras de um dia que, para os três, prometia ser apenas mais um na superfície. Mas por baixo da rotina, os olhares se despiam, os desejos fervilhavam e os segredos se acumulavam, esperando o momento certo para transbordar.

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Armário de Contos
Autor
Armário de Contos
Se você curte histórias que abraçam o amor em todas as suas formas, com personagens cativantes e enredos que aquecem (ou estremecem) o coração, esse é seu novo lar.
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